Procuradores da RepĂșblica em São Paulo, Sergipe, Rio de Janeiro e Pernambuco recomendam a suspensão da nota informativa com orientações para o manuseio medicamentoso de pacientes diagnosticados com covid-19, lançada no Ășltimo dia 20 de maio. A recomendação foi encaminhada para a 1ÂȘ Câmara de Revisão e Coordenação do MinistĂ©rio PĂșblico Federal para ser enviada ao MinistĂ©rio da SaĂșde.
Em 22 de maio de 2020 foram publicados na revista mĂ©dica britânica "The Lancet" os resultados de uma nova pesquisa sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, baseada em dados internacionais dos seis continentes, de hospitais com registros eletrônicos, que abrangeu 96.032 pacientes. AlĂ©m de não constatar benefĂcio aos pacientes, o estudo verificou que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina com ou sem macrolĂdeo (antibiótico) estĂĄ associado ao aumento das taxas de mortalidade e arritmias cardĂacas em pacientes hospitalizados com covid-19.
A Organização Mundial da SaĂșde (OMS) suspendeu os ensaios clĂnicos que estavam sob sua coordenação em todo o mundo atĂ© a confirmação de que essas drogas são seguras para os pacientes e levou à mudança da recomendação da entidade para o tratamento da doença em 27 de maio de 2020.
A decisão da OMS levou em conta o princĂpio da precaução, empregado quando hĂĄ dĂșvida cientĂfica sobre potenciais danos graves e irreparĂĄveis. Esse princĂpio tambĂ©m tem sido aplicado pela jurisprudĂȘncia brasileira. Em voto no julgamento recente de medidas cautelares de ações diretas de inconstitucionalidade (nĂșmeros 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a crise gerada pela pandemia impacta o ordenamento jurĂdico e hĂĄ aspectos preocupantes, como a "utilização de determinados medicamentos, de eficĂĄcia ou segurança ainda controvertidas na comunidade cientĂfica, para o combate à enfermidade, como Ă© o caso da hidroxicloroquina".
Sem registro - Os procuradores manifestam preocupação tambĂ©m com o fato de que não foi respeitado o processo legal de registro dos medicamentos na AgĂȘncia Nacional de Vigilância SanitĂĄria (Anvisa) e de incorporação de tecnologia no Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), sem a necessĂĄria avaliação.
Tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina jĂĄ são empregadas hĂĄ muitos anos no tratamento de diversas enfermidades, mas não de covid-19. Em razão da pandemia, a Anvisa publicou uma resolução definindo critĂ©rios e procedimentos extraordinĂĄrios para medicamentos especĂficos para pessoas infectadas com coronavĂrus, incluindo regulamentação temporĂĄria de novas indicações terapĂȘuticas para remĂ©dios jĂĄ existentes. As duas substâncias ganharam aval da agĂȘncia para o uso em pacientes graves por uso compassivo. O MinistĂ©rio da SaĂșde, porĂ©m, expandiu a indicação para casos leves e moderados.
Na avaliação do MPF, essa nova abordagem não atende aos critĂ©rios mĂnimos de segurança e eficĂĄcia e do monitoramento dos pacientes durante o uso, estabelecidos na resolução da agĂȘncia. Para a incorporação no SUS dos medicamentos tambĂ©m hĂĄ mecanismo para anĂĄlise cĂ©lere pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS - Conitec, mas que exige a anĂĄlise da eficĂĄcia, segurança e custo-efetividade.
Testagem insuficiente - Os procuradores alertam ainda para outro problema grave para a implementação das orientações do MinistĂ©rio da SaĂșde: a falta de testes. De acordo com a nota informativa, apenas pacientes que testarem positivo para coronavĂrus devem ser tratados com cloroquina ou hidroxicloroquina, mas o plano de testagem nacional não Ă© capaz de atender a demanda no inĂcio dos sintomas, Ă© suficiente somente para testagem dos casos graves.
O SUS tambĂ©m não possui capacidade para realizar o monitoramento adequado das pessoas tratadas com esses medicamentos. Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, em alguns casos Ă© essencial que sejam feitos pelo menos trĂȘs eletrocardiogramas ao longo do tratamento. Se o paciente não estĂĄ internado, esse acompanhamento torna-se mais difĂcil e expõe o paciente ao risco das reações adversas.
AlĂ©m da recomendação enviada para a 1ÂȘ CCR, os procuradores encaminharam ofĂcios para a Anvisa e Conselho Federal de Medicina (CFM), nos quais solicitam esclarecimentos sobre a revisão das autorizações com base na publicação de novo estudo e das orientações da OMS, e representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspensão da nota informativa sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina.
Ăntegra dos documentos para o MinistĂ©rio da SaĂșde (
aqui e
aqui), Anvisa (
aqui e
aqui),
TCU e
CFM.
Assessoria de ComunicaçãoProcuradoria da RepĂșblica no Estado de São Paulo