Cinco anos após queda de prĂ©dio com 24 mortes na Muzema, Justiça ainda tenta ouvir testemunhas e acusados respondem em liberdade

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Por Edvaldo Campos em 12/04/2024 às 05:13:22
Na época do acidente, comunidade era dominada pela milícia; hoje, quem manda é o tráfico. Terreno do desabamento teve outros prédios demolidos e foi tomado por vegetação. À esquerda, local do desabamento em 2019; à direita, como está a região hoje: outros prédios foram demolidos e a vegetação ocupou o tereno

A apuração sobre a queda de dois prédios, na comunidade da Muzema, na Zona Oeste do Rio, ainda não terminou. Cinco anos depois do desastre que matou 24 pessoas, o julgamento do caso ainda não foi marcado.

Os três acusados pelo Ministério Público estadual pelas mortes estão em liberdade: José Bezerra de Lira, o Zé do Rolo; Renato Siqueira Ribeiro e Rafael Gomes da Costa respondem por homicídio qualificado pelas 24 vítimas, por lesão corporal gravíssima e pelo crime de desabamento.

A audiência mais recente deste caso aconteceu em 28 de novembro de 2023, no fórum da capital.

Na época do acidente, a Muzema era dominada por uma milícia. Atualmente, traficantes ocupam a comunidade.

Desde a queda dos dois edifícios, há dificuldade de se colher depoimentos de testemunhas de acusação. Após várias inquirições, o policial civil Jorge Luiz Camillo Alves prestou depoimento.

Camilo foi o responsável pela investigação da queda dos imóveis, mas acabou preso nove meses depois numa operação da Polícia Civil do RJ e do Ministério Público contra a milícia que agia na região.

O MP desistiu das testemunhas de acusação e a Justiça tenta chamar para depor duas testemunhas que moram fora do Estado do Rio. Através de seus advogados, os réus disseram que só irão falar no processo quando a fase de depoimentos encerrar.

Vegetação cresceu em área onde prédio desabou e outros foram demolidos na Muzema

Reprodução/Globocop

Assim que for concluída essa fase de depoimentos, a Justiça deve agendar o julgamento.

"Meu cliente era pedreiro. Ninguém, em sã consciência, vai fazer uma obra para cair e encerrar a carreira. Naqueles dias que antecederam à queda do prédio choveu sem igual na cidade do Rio. Isso também ajudou à queda do imóvel", afirmou o advogado Telmo Bernardo Batista que defende José Bezerra de Lira, conhecido como Zé do Rolo.

Zé do Rolo é apontado nas investigações como o responsável por vender apartamentos dos dois prédios que caíram da Muzema. Quando foi preso, em setembro de 2019, afirmou à polícia que estava sendo ameaçado pela milícia que atua na região.

O g1 não conseguiu contato com as defesas de Rafael Gomes da Costa e de Renato Siqueira Ribeiro.

Enquanto, o caso não tem solução, a Muzema é atualmente palco da disputa de traficantes e milicianos pelo controle da comunidade.

No local, onde os prédios caíram, junto à uma área de proteção ambiental, há um espaço vazio onde a vegetação cresceu. É uma das poucas mudanças no mercado imobiliário da comunidade.

Em volta de onde ficavam os prédios é possível ver outras construções junto à mata.

Justiça manda soltar acusados pelo desabamento que deixou 24 mortos na Muzema

Mercado imobiliário do crime

Investigações do Ministério Público estadual do Rio de Janeiro mostra que, até novembro de 2023, o mercado imobiliário da Muzema estava sob o controle de milicianos.

A partir dos anos 1990, a comunidade tinha cerca de 4.503 moradores e 1.528 domicílios, de acordo com dados do IBGE há uma década. Neste período o número de prédios de, no mínimo, cinco andares, cresceram na favela. Tudo na mão da milícia que também dominava Rio das Pedras.

Comunidade da Muzema, na Zona Oeste do Rio

Reprodução/Globocop

Entre 2021 e 2023, pelo menos, 23 imóveis foram demolidos no interior da comunidade em ações do Ministério Público estadual e da Secretaria de Ordem Pública. Todos construídos irregularmente. Em três deles, o MP descobriu que a milícia investiu algo em torno de R$ 7 milhões.

Há dois anos, o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos criou uma Força-tarefa do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado para enfrentar a ocupação irregular do solo urbano.

A milícia não apenas vendia ou alugava os imóveis. Ainda vendia o material caso alguém quisesse reformar a casa, determinando as lojas em que se poderia comprar.

Cidade Integrada

Desde novembro, a facção Comando Vermelho tomou a favela da milícia e impõe as mesmas regras. São os traficantes que exploram os imóveis. E isso numa favela que faz parte, junto com o Jacarezinho, do programa estadual Cidade Integrada, desde janeiro de 2022, que visava aumentar a segurança no local.

Com o tráfico, a comunidade passou a ter outra rotina: motoqueiros devem circular sem capacete e bailes são realizados nas madrugadas.

Avisos na Gardênia e na Muzema: Zona Oeste conflagrada

Reprodução

A Polícia Civil investiga um ex-policial militar do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Ronny Pessanha de Oliveira, de 33 anos, por suspeita de treinar milicianos e traficantes do Comando Vermelho (CV).

Antes apontado como miliciano, hoje o ex-PM é suspeito de mudar de lado e se aliar a traficantes que invadiram a Muzema. Segundo o policial militar responsável pela prisão, Pessanha passou a dar treinamento para traficantes do CV, com o objetivo de auxiliar a facção na invasão de territórios da milícia e de outras facções rivais.

Fonte: G1

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