Remédio para azia é testado contra a Covid-19

Por: Folhapress Dez pacientes com Covid-19 tratados com um remĂ©dio contra azia reportaram melhora dos sintomas da doença. A sĂ©rie de casos em questão foi publicada nesta...

Por João Paulo Pereira em 05/06/2020 às 10:51:52
Por: FolhapressDez pacientes com Covid-19 tratados com um remĂ©dio contra azia reportaram melhora dos sintomas da doença. A sĂ©rie de casos em questão foi publicada nesta quinta (4) na revista Gut, periódico da British Society of Gastroenterology e publicação do grupo BMJ. A pesquisa, ainda pequena, não indica que a droga seja eficaz contra a Covid-19. Os cientistas selecionaram oito pessoas do estado de Nova York, uma de Nova Jersey e outra da SuĂ©cia para participar da pesquisa. Todas foram medicadas com altas doses da droga famotidina, popular nos EUA por seu preço acessĂ­vel em comparação a outros medicamentos com funções semelhantes. Entre os pacientes, sete tinham resultado positivo para Covid-19 apontado por teste PCR (considerado padrão-ouro), dois tiveram a doença confirmada por testes sorológicos e o Ășltimo teve somente o diagnóstico clĂ­nico. Segundo os pesquisadores, cerca de 48 horas após o inĂ­cio do uso da famotidina, todos os pacientes jĂĄ relatavam melhora dos sintomas -havia grande variação do perĂ­odo sintomĂĄtico anterior dos pacientes. Nenhum paciente foi hospitalizado. Os próprios autores, contudo, alertam para as grandes fragilidades da pesquisa. Ela não Ă© um ensaio clĂ­nico duplo-cego (no qual mĂ©dicos e pacientes não sabem, respectivamente, o que estão dando ou tomando), não Ă© controlado (quando hĂĄ um grupo de controle para comparação dos resultados com os provenientes de pacientes que usaram determinado medicamento) nem randomizado (quando a escolha dos pacientes que farão parte do estudo Ă© aleatória). Estudos que cumprem os itens acima são considerados como padrão-ouro, ou seja, a melhor evidĂȘncia cientĂ­fica possĂ­vel de ser obtida. Sem essas condições, vieses podem interferir no resultado encontrado e, consequentemente, o estudo por apontar para respostas incorretas. Um mĂ©dico, por exemplo, pode ter a impressão de que sua intervenção faz efeito, e os pacientes, por efeito placebo, podem sentir melhora em seu quadro. Os cientistas afirmam, contudo, que "a sĂ©rie de casos sugere, mas não estabelece, benefĂ­cio do uso de famotidina no tratamento de pacientes de Covid-19 não hospitalizados". A antiga droga Ă© um antagonista do receptor H2 que inibe a secreção gĂĄstrica e Ă© utilizada no tratamento de doença como gastrite, Ășlcera, esofagite, segundo Andrea Vieira, professora da Faculdade de CiĂȘncias MĂ©dicas da Santa Casa de São Paulo e chefe da clĂ­nica de gastroenterologia da Santa Casa/SP, que não participou do estudo. Uma matĂ©ria de abril da revista Science jĂĄ apontava que, sem estardalhaço, uma pesquisa com a droga jĂĄ estava em andamento em Nova York. A história da relação da droga com a Covid-19 começou a partir de relatos anedóticos do perĂ­odo em que a pandemia ainda se desenrolava na China. Pesquisadores observaram que pacientes com azia crônica que tomavam famotidina pareciam morrer menos - com uma diferença estatisticamente não significativa, segundo a matĂ©ria da Science. De volta aos EUA, um desses pesquisadores, Michael Callahan, começou a analisar a possibilidade de a droga ter algum efeito contra a doença. Modelagens moleculares apontavam que o medicamento poderia impedir a ação de uma enzima essencial para a replicação viral. O pesquisador, então, entrou em contato com colegas para a realização de um estudo mais sólido, randomizado e duplo-cego. Contudo, considerando o momento pandĂȘmico dos EUA em que o estudo foi iniciado - com a hidroxicloroquina sendo usada em quase todos os pacientes hospitalizados -, os pesquisadores tiveram que fazer um braço do estudo com utilização de doses consideravelmente altas de famotidina e hidroxicloroquina e outro só com a droga propagandeada pelo presidente americano Donald Trump. Callahan tambĂ©m Ă© autor de outro estudo, dessa vez retrospectivo (ou seja, usando dados do passado e, por isso, com um nĂ­vel potencial de evidĂȘncia cientĂ­fica menor), sobre a droga. Nessa pesquisa, publicada na revista Gastroenterology, os cientistas analisaram pacientes atendidos no Centro MĂ©dico Irving e em uma ala do Hospital Presbiteriano de Nova York, ambos da Universidade Columbia. As anĂĄlises dos pesquisadores indicaram que, em pacientes com Covid-19 e não intubados, a famotidina estava associada com redução da chance de morte ou intubação. "Os achados são observacionais e não devem ser interpretados como se a famotidina tivesse efeito protetivo contra a Covid-19", dizem os autores. "Estamos esperando o estudo prospectivo, mas pode ser uma luz. PorĂ©m pode ter sido só uma coincidĂȘncia", afirma Vieira, alertando que não hĂĄ recomendação para uso da droga e, portanto, não hĂĄ motivo para que esses estudos levem a uma busca pelo medicamento. Um pronunciamento do presidente ameriocano Donald Trump sobre hidroxicloroquina levou a uma corrida às farmĂĄcias em busca da droga nos EUA e no Brasil. Pacientes que a utilizam corriqueiramente começaram a ter dificuldades para encontrĂĄ-la e a Anvisa passou a exigir receita para sua compra.
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