Por Vitor Matos, Luiz Felipe Barbiéri, Guilherme Mazui e Rosanne D'Agostino, G1
O ministro da Justiça e Segurança PĂșblica, Sergio Moro, anunciou a demissão nesta sexta-feira (24). O ex-juiz federal deixa a pasta após um ano e quatro meses no primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro.
A demissão foi motivada pela decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da PolĂcia Federal, MaurĂcio Valeixo, indicado para o posto pelo agora ex-ministro. A PolĂcia Federal Ă© vinculada à pasta da Justiça.
Ao anunciar a demissão, em pronunciamento na manhã desta sexta-feira no MinistĂ©rio da Justiça, Moro afirmou que disse para Bolsonaro que não se opunha à troca de comando na PF, desde que o presidente lhe apresentasse uma razão para isso.
"Presidente, eu não tenho nenhum problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa, [como, por exemplo], um erro grave", disse Moro.
Moro disse ainda que o problema não Ă© a troca em si, mas o motivo pelo qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo o agora ex-ministro, Bolsonaro quer "colher" informações dentro da PF, como relatórios de inteligĂȘncia.
"O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligĂȘncia, seja diretor, seja superintendente. E realmente não Ă© o papel da PolĂcia Federal prestar esse tipo de informação", declarou.
Moro fez uma comparação da situação com o perĂodo em que conduziu os processos da Operação Lava Jato como juiz: "Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?", questionou.
Segundo Moro, a autonomia da PolĂcia Federal "Ă© um valor fundamental que temos que preservar dentro de um estado de direito".
De acordo com o relato de Moro, ele disse a Bolsonaro que a troca de comando na PF seria uma interferĂȘncia polĂtica na corporação. Ele afirmou que o presidente admitiu isso.
"Falei para o presidente que seria uma interferĂȘncia polĂtica. Ele disse que seria mesmo", revelou Moro.
O agora ex-ministro contou que Bolsonaro vem tentando trocar o comando da PF desde o ano passado.
"A partir do segundo semestre [de 2019] passou a haver uma insistĂȘncia do presidente na troca do comando da PF."
Moro afirmou que sai do ministĂ©rio para preservar a própria biografia e para não contradizer o compromisso que assumiu com Bolsonaro: de que o governo seria firme no combate à corrupção.
"Tenho que preservar minha biografia, mas acima de tudo tenho que preservar o compromisso com o presidente de que serĂamos firmes no combate à corrupção, a autonomia da PF contra interferĂȘncias polĂticas", declarou.
Moro afirmou ainda que ao contrĂĄrio do que aparece no "DiĂĄrio Oficial", ele não assinou a exoneração de Valeixo, nem o diretor-geral da PF pediu para sair.
Na publicação, consta a assinatura do então ministro e a informação de que Valeixo saiu "a pedido".
"Eu não assinei esse decreto e em nenhum momento o diretor da PF apresentou um pedido oficial de exoneração", disse.
Moro tambĂ©m disse que, quando foi convidado por Bolsonaro para o ministĂ©rio, o presidente lhe deu "carta-branca" para nomear quem quisesse, inclusive para o comando da PolĂcia Federal.
"Foi me prometido na ocasião carta branca para nomear todos os assessores, inclusive nos órgãos judiciais, como a PolĂcia RodoviĂĄria Federal e PolĂcia Federal", afirmou o agora ex-ministro.
No anĂșncio, Moro chegou a se emocionar e a ficar com a voz embargada. Foi quando ele disse que havia pedido ao presidente uma Ășnica condição para assumir cargo: que sua famĂlia ganhasse uma pensão caso algo de grave lhe acontecesse no exercĂcio da função.
"Tem uma Ășnica condição que coloquei. Eu não ia revelar, mas agora isso não faz sentido. Eu disse que, como estava saindo da magistratura, contribuĂ durante 22 anos, pedi que, se algo me acontecesse, que minha famĂlia não ficasse desamparada", disse Moro.
Moro foi surpreendido com a publicação da exoneração de Valeixo nesta sexta-feira. Fontes ligadas ao ministro disseram que ele não assinou a exoneração, apesar de o nome dele constar, ao lado do nome de Bolsonaro, no ato que oficializou a saĂda de Valeixo.
Moro foi anunciado como ministro de Bolsonaro em novembro de 2018, logo após a eleição presidencial. O magistrado ganhou notoriedade como juiz de processos da Operação Lava Jato, entre os quais o que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do GuarujĂĄ.
Na oportunidade, Bolsonaro garantiu autonomia a Moro na escolha de cargos de segundo e terceiro escalão. O ministro teria "carta branca" no combate à corrupção.
"Conversamos por uns 40 minutos e ele [Moro] expôs o que pretende fazer caso seja ministro e eu concordei com 100% do que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado, e um ministĂ©rio com poderes para tal", declarou Bolsonaro à Ă©poca.
"Ă um ministĂ©rio importante e, inclusive, ficou bem claro em conversa entre nós que qualquer pessoa que porventura apareça nos noticiĂĄrios policiais vai ser investigada e não vai sofrer qualquer interferĂȘncia por parte da minha pessoa", acrescentou Bolsonaro.